9 de ago. de 2013

Inclusão Radical – SIM!

A inclusão escolar  das pessoas com deficiência intelectual e autistas tem sido motivo das maiores  controvérsias desde que o Governo Federal, através do Ministério da Educação, assumiu a Educação Inclusiva como perspectiva a nortear a Política de Educação Especial.

Recentemente, sob a alegação de que o Governo Federal quer acabar com as escolas  especiais, a Federação das Apaes de São Paulo iniciou nas redes sociais a campanha: "Não à inclusão radical! Sim às escolas especiais!" .

Duas questões são bastante preocupantes na iniciativa. A primeira refere-se à declaração de que o Governo quer fechar as escolas especiais; a segunda vem do chocante clamor por menos inclusão.

O Decreto Presidencial 7.611/2011 foi um dos primeiros a compor o “Plano Viver sem Limite” permitindo, dentre outras coisas, a distribuição dos recursos do Fundeb  na educação especial, inclusive para "instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente".

A função do Governo é, portanto , quando necessário, conveniar com Organizações Privadas regulando serviço a ser prestado. Isso já era possível, mas foi oportunamente reafirmado  no Decreto para que não restasse dúvida.

Então , de onde vem a afirmação de que o Governo quer fechar as "escolas especiais" tendo em vista que os mais recentes documentos são editados  permitindo a transferência de recursos?

A verdade é que há uma discussão sobre o papel das chamadas organizações especializadas e a complementariedade do Atendimento Educacional Especializado e também sobre onde deve ser a prioridade de investimento dos recursos públicos.

Nesse contexto, é preciso reconhecer que, pela ausência  histórica de políticas públicas, as famílias tiveram que arregaçar as mangas para fazer uma tarefa que seria obrigação do Estado.  Pioneirismo que foi importante para romper com a invisibilidade e para garantir atenção para as pessoas com deficiência intelectual durante décadas. No entanto, esse movimento não pode se cristalizar favorecendo a acomodação do Estado.

Foi e continua sendo obrigação do Estado garantir Educação para pessoas autistas e com deficiência intelectual.

Vem à tona então a segunda questão - "Não à inclusão radical"

A inclusão é um dos princípios fundamentais dos direitos humanos. É também meta político-social de quase todos os governos que são minimamente comprometidos com uma agenda global de desenvolvimento.  Inclusão significa mais igualdade de oportunidades, mais desenvolvimento para os que foram historicamente excluídos. É adequar e fazer chegar a pobres, negros, pessoas com deficiência, LGBT e outros grupos em desvantagem social, as políticas públicas que geralmente só  atingem uma parte mais privilegiada da população. É  romper com práticas estabelecidas e construir um ciclo de aprimoramento das políticas públicas.

O imperativo "Não à inclusão radical" estampado em um banner no Facebook, ou mesmo qualquer variante que implique em uma mensagem que pode ser entendida como um pedido por "menos inclusão", "inclusão só pra uns", "inclusão seletiva" ou até "inclusão mais lenta!" é chocante por desconhecer a universalidade dos direitos humanos.

As perguntas que ficam são: menos inclusão para quem? Quem desmerece a inclusão? Quão letárgico ou moderada deve ser  a inclusão? 

Constantemente são denunciadas a falta de condições, a falta de capacitação dos professores, a persistente recusa e sistemática exclusão das pessoas com autismo e deficiência intelectual da rede regular de ensino,  realidade  que mostra  que é preciso aprofundar (radicalizar) os processos de inclusão, antes do contrário, cobrando que seja garantido o investimento contínuo e as regulamentações para as transformações que forem necessárias.

Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) que foi aprovada com quórum qualificado em dois turnos no Senado e na Câmara, assim obtendo status de Emenda Constitucional.

No seu artigo 24, a CDPD reconhece o direito das pessoas com deficiência à educação, que deve ser efetivado sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, num sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como através do aprendizado ao longo de toda a vida.

A mensagem da Convenção que foi cravada em nossa Constituição e assinada por representantes de toda sociedade é clara: mais inclusão.

Qualquer que seja o Governo, a agenda de Estado deve ser ampliar a inclusão das pessoas com deficiência no sistema regular ensino. Isso é também compromisso internacional assumido com a ratificação da Convenção, do qual o Brasil deve prestar contas dos avanços obtidos.

Ironicamente, a despeito do Decreto  7.611/2011 e da disposição do  Governo Federal em apoiar as organizações filantrópicas,  a declaração de que se é contra um princípio fundamental da CDPD - a inclusão,  coloca a declarante em choque de interesse com o Estado Brasileiro e com sua obrigação de implementar a Convenção.

De acordo com artigo 4,  o Estado e as autoridades públicas que o representam em todas as instâncias devem abster-se de participar e apoiar qualquer ato ou prática incompatível a Convenção, bem como assegurar que as instituições atuem em conformidade.

Nada mais justo do que a sustentabilidade das organizações filantrópicas, mas para garantir financiamento público o Governo deve assegurar que os recursos sejam aplicados da maneira mais inclusiva possível.

16 de jul. de 2013

Desculpas aos navegantes...

Gostaria de pedir desculpas aos que acompanham o Inclusão & Diversidade. Muita coisa está acontecendo e pouca sendo postada aqui... agora estou na presidência da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça) e pouco temo estou tendo para as elaborações que fazia para esse meu querido blog...
Espero voltar com mais frequência em breve.
Enquanto isso, acompanhem a página da Abraça. Sempre que der, estarei lá e aqui.
Abraços e até logo.
Alexandre

16 de jun. de 2013

O sentido do Orgulho Autista

Aspies for Freedom (Aspies pela Liberdade) é um grupo de pessoas autistas que se organizou em torno da idéia de que precisam defender os seus direitos. Surgido em junho de 2004, com a primeira campanha “Autistic Pride Day” (Dia do Orgulho Autista), no seu site esclarece quais são seus objetivos.

Segue abaixo a tradução do texto de apresentação:

Nossos objetivos são:

  • Evitar a eliminação eugênica de pessoas autistas, opondo-se aos testes pré-natais para autismo.

  • Com serviços de apoio adequados, todas as pessoas autistas são capazes de ter uma vida significativa e gratificante. No entanto, a cobertura negativa da mídia e uma campanha deliberada de vitimização têm criado no público a opinião de que autismo é uma "tragédia" e que as pessoas com autismo não têm esperança de conseguir qualquer coisa. Assim, a disponibilidade de um teste pré-natal levaria a maioria das pessoas autistas a serem abortadas.

    Um estudo recente mostrou que 91 a 93% dos fetos com teste positivo para Síndrome de Down são abortados. Como o autismo é genético, se estes números foram semelhantes em um teste pré-natal para autismo, a população autista será dizimada e a cultura autista, destruída.

    Além disso, a maioria da captação de recursos para o autismo está voltada atualmente para a pesquisa genética. Se esse dinheiro fosse canalizado para os serviços de apoio, as pessoas autistas teriam uma chance muito maior de viver uma vida produtiva.

    Por isso, os Aspies For Freedom são contra o financiamento de pesquisas genéticas que levem a um teste pré-natal.

  • Opor-se a "tratamentos" voltados para as às pessoas autistas que lhes sejam física ou mentalmente prejudiciais.

  • Devido à percepção pública do autismo, um grande número de tratamentos antiéticos tornaram-se bastante comum. Estes incluem tratamentos fisicamente prejudiciais (tais como terapias comportamentais aversivas ou contenções), tratamentos mentais nocivos (como 20 a 40 horas semanais de ABA, restrição de estereotipias não-prejudiciais e outros mecanismos de combate ao autismo), terapias não aprovados pela Medicina e perigosas, com base em teorias desacreditadas ou crenças religiosas (como quelação ou exorcismo) e terapias que seriam chamadas de "tortura", se fossem usados em crianças não-autistas (como dispositivos "comportamentais" de eletrochoque).

    Os Aspies For Freedom defendem a suspensão de todas as terapias física ou mentalmente nocivas.

  • Enfatizar a idéia de um "espectro" autista, e desenfatizar as diferenças entre os vários rótulos do espectro autista.

  • Há vários rótulos usados para pessoas em todo o espectro autista. Estes incluem Autismo de “Alto Funcionamento” Autismo de “Baixo Funcionamento”, Síndrome de Asperger e TID-SOE. As diferenças entre esses rótulos são em muitos casos bastante nebulosas, muitas vezes baseadas no desenvolvimento infantil, tendo pouca influência sobre a natureza do adulto autista.

    Uma das maiores barreiras de acesso a serviços de apoio é a oferta de suporte com base em subgrupos, em vez de avaliar as necessidades do indivíduo. Isto significa que, por exemplo, alguém com autismo de "alto funcionamento" pode ver negado um necessário apoio na residência devido ao seu rótulo, ou alguém com autismo de "baixo funcionamento" pode ser considerado inapto para atividades de que é perfeitamente capaz.

    O espectro autista cobre uma gama muito ampla de pessoas, e estas nem sempre se encaixam perfeitamente nos grupos definidos. Muitas vezes, estes grupos são barreiras à compreensão ao invés de ferramentas para o entendimento. Essencialmente, todas as pessoas nos grupos acima fazem parte do espectro autista e a generalização de grupos específicos dentro do espectro é contraproducente. A avaliação da personalidade e das necessidades de uma pessoa no espectro deve ser olhada de forma individual, em vez de basear-se em um rótulo.

    Assim, os Aspies for Freedom apóiam a ideia de um espectro do autismo, e defendem a desenfatização das diferenças entre os rótulos do espectro autista.

  • Opor-se à idéia de uma “cura” para o autismo.

  • Parte do problema com a visão "autismo-é-tragédia" é carregar a idéia de que a pessoa é separável do autismo, e que há uma pessoa "normal" presa "dentro" do autismo.

    Ser autista é algo que influencia cada elemento de que uma pessoa é feita - dos interesses que temos e os sistemas éticos que usamos até a forma como vemos o mundo e o modo como vivemos nossas vidas. Dessa forma, o autismo é parte de quem somos.

    "Curar" alguém do autismo seria como arrancar a pessoa daquilo que ela é e substituí-la por outra pessoa.

    Além disso, é improvável que o financiamento para a investigação de uma "cura" venha a produzir um resultado. Nesse meio tempo, os serviços de apoio para as pessoas autistas são subfinanciados. Esse dinheiro seria muito melhor usado para ajudar as pessoas autistas que existem.

    A idéia da cura também influencia culturalmente o tratamento das pessoas autistas. Muitos pais se concentram na idéia de encontrar uma cura para o seu filho e podem negligenciar a ajuda real e o apoio ao processo. Além disso, ensinar as crianças que elas estão "quebradas" e precisam ser "consertadas" tem consequências para a sua saúde mental a longo prazo.

    Aspies for Freedom se opõe à idéia de uma "cura" para o autismo, considera que uma cura real seria antiética e que o mito atual da cura é prejudicial.

  • Avaliar supostos tratamentos através de uma abordagem ética.

  • Um dos problemas com o estado atual do tratamento do autismo é que há pouco em termos de controle de qualidade e, muitas vezes, um tratamento sugerido é iniciado sem considerar a ética envolvida. Alguns exemplos de práticas não-éticas incluem o uso de aversivos (por exemplo, aversivos físicos "comportamentalistas", como a negação de alimentos e a provocação deliberada de sobrecargas sensoriais), tempo exagerado (por exemplo, muitas pessoas defendem 40 horas por semana de ABA), tratamentos potencialmente perigosos (por exemplo, quelação) e foco na "normalização" em vez de apoio (por exemplo, restringir comportamentos autistas não-prejudiciais, tais como estereotipias).

    Aspies For Freedom procuram avaliar as dimensões éticas dos tratamentos para autismo novos e pré-existentes.

  • Aumentar o financiamento e o acesso a serviços de apoio para autistas e formas éticas de tratamento.

  • Muitas formas de tratamento são altamente benéficas para muitas pessoas autistas; por exemplo, terapia da fala e fonoaudiologia, terapia de integração sensorial, aconselhamento. Além disso, os serviços de apoio podem ajudar as pessoas a viver vidas mais produtivas, como habitações de emergência, serviços médicos especializados, serviços de apoio e de emprego.

    Aspies for Freedom advogam maior financiamento para serviços de apoio, e apoiam os esforços de captação de recursos para apoio de base ao autismo.

  • Opor-se a campanhas publicitárias negativas contra as pessoas autistas como um grupo.

  • A maioria da angariação de fundos para o autismo é atualmente focada em campanhas de “pena”, o que sugere que o autismo é uma tragédia, doença ou epidemia que precisa ser interrompida. Infelizmente, este ponto de vista tem-se propagado através de programas de entrevistas, noticiários e outras formas de cobertura da mídia.

    A técnica mais comum é não mostrar nada além de cenas de crianças (presumivelmente) autistas durante acessos de raiva, e, em seguida, cenas de pais reclamando sobre suas vidas. É muito raro ver cenas de uma criança autista envolvida em atividades comuns e ainda mais raro ver cenas de um adulto autista.

    Esta "trágica" visão do autismo é extremamente prejudicial para as pessoas autistas, muito além do alcance que os fundos gerados poderiam justificar. Isso faz com que a discriminação no emprego agrave o isolamento social e leva alguns pais a desistir de ajudar os seus filhos, preferindo se agarrar a falsas promessas de cura.

    Algumas organizações ainda vão mais longe, usando frases como "sem alma", "pior do que o câncer" ou "incapaz de amar". Uma das maiores organizações anti-autistas, Autism Speaks, chegou até a criar um filme de propaganda em que uma mulher fala sobre o desejo de jogar a si mesma e seu filho autista de uma ponte. A afirmação foi feita enquanto seu filho autista estava no mesmo quarto.

    Estas campanhas são baseadas em estereótipos, preconceitos e deturpação deliberada, e precisam ser interrompidas.

    Os Aspies For Freedom defendem fim às “campanhas de pena” e o fim das histórias falsas ou deturpadas na mídia.

  • Para ajudar a promover uma imagem clara e positiva do autismo.

  • Um dos objetivos do site dos Aspies for Freedom é ajudar a criar uma visão acurada e positiva das pessoas autistas, mostrando as coisas que realmente fazem e enfatizando histórias positivas sobre grupos e pessoas autistas. Autistas formam um grupo muito diverso e nossas diferenças são uma parte muito importante da diversidade humana.

    A razão para incluir a palavra "acurada" é que, embora pessoas autistas tenham conseguido grandes feitos na arte, ciência, matemática, redação e outras atividades criativas, muitas vezes isso leva ao exagero de dizer que todos os autistas são gênios – o que tem o efeito colateral de imaginar que uma pessoa autista precisa ser um gênio para ser considerada um ser humano que valha a pena.

    Outro extremo é o desejo de alguns grupos de atribuir qualidades místicas para as pessoas autistas, o que tem o efeito colateral de desumanizá-las.

    Há pessoas autistas em toda parte. Existe uma boa chance de que você trabalhe com ou conheça uma pessoa autista, sem saber. O autismo não é uma tragédia, ou um efeito colateral de uma genialidade, é uma diferença a ser valorizada.

    Como tal, os Aspies For Freedom tentam destruir estereótipos e criar uma ideia positiva e realista do que significa ser autista.

  • Para se opor a todas as formas de preconceito e intolerância.

  • Muitos problemas associados ao autismo são causados, ou agravados, pelo preconceito. A raiz disso é o preconceito por si mesmo - se lidar apenas com as atuais formas de preconceito que se voltam contra o autismo, novas formas vão surgir para substituí-las.

    Devido a isso, os Aspies for Freedom escolhem se opor a todas as formas de preconceito e intolerância.

    Isso inclui as formas de intolerância relacionadas com a cultura autista, tais como:

    • A idéia de que ser neurotípico (não-autista, ou de outro neurotipo) é "melhor" do que ser autista. (Nota: este não se relaciona com habilidades específicas, apenas com a idéia geral de "melhor".)
    • A idéia de que ser autista é "melhor" do que ser neurotípico. (Nota: mais uma vez, não se fala aqui de habilidades específicas, mas na a idéia de "melhor", genericamente.)
    • A idéia de que alguns rótulos do espectro autista são aceitáveis, mas outros são tragédias.
    • A idéia de que a síndrome de Asperger ou TID-SOE não devem fazerparte do espectro autista.
    • A idéia de que as pessoas não têm direito de se auto-identificarem como autistas.
    Tradução de Argemiro Garcia.
    Fonte: http://www.aspiesforfreedom.com/

    Respeite este trabalho. Se for republicar algum texto, cite-nos como sua fonte e coloque um link: http://cronicaautista.blogspot.com/

    22 de abr. de 2013

    Sobre os vetos da Lei 12764/2012

    Para conhecimento:
    Vejam essa matéria onde mara Gabrilli pede a derrubada dos vetos da lei do autismo, onde se afirma que a Dilma teria retirado o direito dos autistas ao AEE:

     Não é verdade que o Veto retirou a garantia de atendimento educacional especializado gratuito para estudantes com o autismo. As pessoas com autismo estão incluídas na política nacional de educação inclusiva e a previsão de atendimento educacional especializado é um direito constitucional. O veto não mexeu nesse direito.

    Inclusive o polêmico decreto 7611/11, diz: § 2o  O atendimento educacional especializado aos estudantes da rede pública de ensino regular poderá ser oferecido pelos sistemas públicos de ensino ou por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente, sem prejuízo do disposto no art. 14.” (NR)

    Onde o veto tirou a previsão de AEE? O veto tirou sim a previsão de discriminação na recusa da vaga, incluída na Lei por uma emenda da Deputada Mara.

    Uma outra alegação, é de que o veto teria anulado a garantia do profissional de apoio, segue nota técnica do MEC que trata da garantia do profissional de apoio, conforme o Parágrafo único do Art. 3º da Lei 12764/2012:
    https://dl.dropboxusercontent.com/u/17106609/Abraca/NOTA%20T%C3%89CNICA%20N%C2%BA%20024%20-%20Orienta%C3%A7%C3%A3o%20aos%20Sistemas%20de%20Ensino%20para%20a%20implement....pdf 
     

    -- 
    Alexandre Mapurunga

    Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça)

    Skype: amapurunga
    +55(85)9760.3180 (tim)

    19 de mar. de 2013

    MANIFESTO ABRAÇA: Sou autista, tenho direitos! Diga SIM à inclusão!

    MANIFESTO: Sou autista, tenho direitos!  Diga SIM à inclusão!

    domingo, 17 de março de 2013

    21:47

     

    A Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça) foi criada em 2008 e com finalidade defender os direitos e promover a cidadania plena das pessoas com autismo e de suas famílias.

     

    Somos uma congregação de 12 organizações e centenas de autistas, pessoas com asperger, defensores de direitos humanos,  profissionais de diversas áreas e familiares comprometidos  em agir pela inclusão, desinstitucionalização, fortalecimentos dos laços familiares, respeito à diversidade e contra práticas abusivas e excludentes para com as pessoas com autismo.

    A Abraça é, portanto, uma organização nacional de defesa dos direitos humanos das pessoas com autismo.


    O autismo é considerado pelos médicos um distúrbio do neurodesenvolvimento que se manifesta precocemente e afeta as habilidades de comunicação, comportamento e interação social, o termo engloba os conhecidos como Transtornos do Espectro do Autismo(TEA).

     

    Os estudos mais recentes apontam que quase 1% da população possui algum Transtorno do Espectro do Autismo, no Brasil isso pode significar algo em torno de 1,9 milhão de pessoas. O grupo de pessoas com TEA é bastante diverso, composto desde indivíduos que não se comunicam verbalmente, com deficiência intelectual associada até os chamados gênios com habilidades específicas. Pessoas com autismo existem em diferentes contextos culturais, econômicos e sociais.

     

    Pessoas com autismo são crianças, jovens e adultos. Mulheres e Homens. Filhos, filhas e pais. Vão à escola, trabalham. São pessoas com todos os direitos que lhes cabem. Acontece que pelo simples fato de serem, autistas elas acabam vulneráveis a múltiplas formas de discriminação e exclusão, que sistematicamente impedem o pleno desenvolvimento e gozo dos direitos fundamentais.

     

    Frequentemente pessoas autistas são alijadas da vida em família; privadas de liberdade em instituições similares asilos ou em suas próprias residências;  discriminada s com a negação de matrícula e a exclusão das escolas regulares;  vulneráveis a violência física, psicológica e sexual;  ficam sem acesso à serviços de saúde geral, como também serviços de referência necessários ao diagnóstico e apoio terapêutico numa perspectiva inclusiva; são submetidos a tratamentos experimentais e intrusivos; entre outras situações preocupantes.      

     

    Em julho de 2009, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), com status de emenda constitucional, que tem por objetivo "promover, proteger e assegurar o gozo integral e igual de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito por sua dignidade inerente”.

     

    A CDPD traz consigo uma mudança de paradigma no contexto da deficiência a partir do Modelo Social, reconhecendo que a "deficiência é um conceito em evolução” e que  resulta da interação entre fatores e limitações pessoais das pessoas com incapacidade e as barreiras relativas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação. 

     

    Os autistas já eram protegidos pela CDPD internacionalmente e, em dezembro de 2012, foi sancionada a Lei Federal 12.764/2012, que reforça essa proteção em nível nacional, reconhecendo que pessoas com autismo são pessoas com deficiência para todos os efeitos legais.

     

    Isso implica, por exemplo, que:

    • As pessoas com autismo  estão protegidas por lei contra qualquer forma de discriminação baseada na deficiência, seja na escola, na família, no posto de saúde ou em qualquer situação. Pessoas autistas têm direito de participar, recebendo inclusive, os apoios e adaptações razoáveis necessárias para possibilitar sua participação (artigo 5);

     

    • As pessoas com autismo têm direito ao respeito à integridade física e mental, tal qual todas as pessoas ( artigo 17) e à proteção contra tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (artigo 15);

     

    • As pessoas com autismo têm direito a viver e ser acolhido em família, assim como constituírem suas próprias famílias, se assim quiserem (artigo 23);

     

    • Autistas têm direito ao pleno exercício de sua capacidade legal, e a serem apoiados para exercer seus direitos sempre que necessário (artigo 12);

     

    • Crianças com autismo têm direito a se desenvolver e preservar sua identidade, assim como todos os direitos garantidos no ECA e na Convenção sobre os Direitos das Crianças (artigo 3 e 6)

     

    • Pessoas com autismo têm direito à vida em comunidade com acesso aos bens e serviços comunitários que as demais pessoas têm e ainda a serviços específicos em domicílio necessários à promoção da sua autonomia individual, como cuidadores e assistentes pessoais (artigo 19);

     

    • Autistas têm direito ao diagnóstico precoce e atendimento especializado com vistas à inclusão (artigo 26);

     

    • Têm direito à educação inclusiva, nas escolas regulares (artigo 24).

     

     

    Nesse sentido conhecer e usar a CDPD é fundamental para promoção e defesa  dos direitos das pessoas com autismo e suas e suas famílias.

     

    Também é muito importante que os governos de todas as esferas tornem suas políticas públicas mais inclusivas para pessoas com autismo, através da conscientização, qualificação dos profissionais acerca do tema e da provisão da adaptação razoável;  e desenvolvam ações específicas para atender as necessidades das pessoas com autismo e suas famílias, como centros de referências e medidas de apoio e proteção.

     

    Já no seu preâmbulo a CDPD reconhece que “família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado" reconhece também que as "pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência”.

     

    O papel da família é crucial para o desenvolvimento das pessoas com autismo e pode ser determinante no enfrentamento das barreiras sociais. Quando lhes faltam apoio e orientação ou atuam tendo por base de concepções equivocadas acerca do autismo e da deficiência, podem se constituir num componente reforçador de estigmas e das barreiras que levam à exclusão e segregação.

    No entanto, as famílias quando conscientes do seu papel, apoiam a inclusão e empoderam a participação das pessoas com autismo na sociedade, em todos os aspectos da vida.

    O apoio e orientação dos familiares, portanto, é fundamental para que elas possam desempenhar o papel de defender os direitos e promover o desenvolvimento das pessoas com autismo de maneira inclusiva.

    O artigo 23 da CDPD demanda medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, incluindo as pessoas com autismo, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas. De tal forma as pessoas com autismo têm direito tanto de pertencer e ser acolhido por sua família, como também o de constituir sua própria família.

     

    Crianças com autismo têm iguais direitos em relação à vida familiar e para a realização desses direitos e para evitar ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, o Estado deve conscientizar as famílias e disponibilizar informações abrangentes sobre serviços de apoio a crianças com autismo e suas famílias, bem como o serviço de apoio em si.

     

    A ONU decretou 2 de abril como o dia Mundial da Consciência sobre o Autismo com o objetivo de que autistas, suas famílias, governos e sociedade em geral discutam o autismo e reafirmem o compromisso de promoção da inclusão e defesa dos seus direitos fundamentais, tais como saúde, educação, lazer, liberdade, respeito pelo lar e pela família.

     

    Isso poderá ser feito de muitas maneiras:

    •        Audiências públicas nas câmaras municipais e assembleias estaduais para debater a situação das pessoas com autismo e suas famílias e propor ações e políticas públicas;

    •        Mobilização dos meios de comunicação (entrevistas, artigos, matérias);

    •        Roda de conversas com familiares buscando o apoio mútuo e fortalecimento para o acolhimento e garantia dos direitos;

    •        Blitzes, caminhadas, panfletagens falando sobre o autismo;

    •        Palestras nas escolas para conscientizar professores e colegas de pessoas com autismo;

    •        Uso das redes sociais twitter( #simàinclusão e #autismday ), facebook, etc. para promover a consciência sobre a situação das pessoas com autismo, suas capacidades e combater os estereótipos nocivos e preconceituosos;

    •        Vestir azul em homenagem ao dia Mundial da Consciência sobre o Autismo e explicar às pessoas o motivo de sua homenagem, ação realizada por pessoas em todo o mundo.

     

    Mais que simplesmente vestir azul e iluminar monumentos, o que é importantíssimo para visibilidade da causa, devemos fazer uma discussão substantiva sobre a situação das pessoas com autismo, promovendo uma imagem positiva das pessoas com autismo e de suas capacidades sem deixar de enfrentar com franqueza os desafios.

     

    Para atingirmos a cidadania plena das pessoas com autismo e de suas famílias  devemos reconhecer as pessoas com autismo como parte da diversidade humana; Temos que ter coragem de dizer  SIM à inclusão e chamar toda a sociedade para que repita conosco. A sociedade justa e igualitária que queremos não tolera discriminação e respeita o jeito de ser dos autistas. Com Leis, políticas e práticas inclusivas vamos continuar conquistando e transformando os espaços para as pessoas com autismo e suas famílias - nas escolas, nos parques, nas comunidades, nos ambientes de trabalhos, em fim na sociedade.

     

    Nós incentivamos que nos momentos de mobilização e discussão se tenha como referência para debate a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei 12.764/2012. E convidamos todos a usar o lema: "Sou autista, tenho direitos! Diga SIM à inclusão!".

    2 de jan. de 2013

    Quando o preconceito rege o pensamento

    A parte todos os justificados protestos com relação ao artigo entitulado "O ano das criancinhas mortas", publicado na Veja de 31/12/2012, a autora Lya Luft parece nos fazer um favor. Ela destaca bem em seu texto, sem muitas firulas, o argumento nazista e excludente de que pessoas com deficiência não deveriam frequentar a escola regular para não incomodar as pessoas "normais". É raro alguém assumir essa postura sem eufemismos, o que Lya parece ter feito questão de evitar.

    Na opinião da colunista, fica claro que crianças com autismo, por exemplo, não são desejadas na escola e que, mesmo sendo politicamente incorreto, elas não deveriam estar lá, pois "pertubam" a turma. Infelizmente, esse pensamento é reflexo do senso comum com que nos deparamos no dia-a-dia, muitas vezes com eufemismos e disfarçadas boas intenções, outras com deliberada cara-de-pau.

    Não vou comentar a falta de coerência no texto de Lya, mas é bom notar que a lógica usada, não se restringe ao ambiente escolar. Ora, se a pessoa deve ser isolada na escola, ela deve também estar afastada dos outros espaços sociais, já que os motivos apresentados são mais que meramente pedagógicos: são pessoas que incomodam os ditos normais; são perigosas aos demais; e se aflingem pois são forçadas a ir além dos próprios limites.

    Então, nessa linha de raciocínio, não se deveria mais impor a inclusão, igualdade de direitos e não discriminação como regra. Ninguém é obrigado a gostar de pessoas com deficiência, ninguém é obrigado a gostar de gays e ninguém é obrigado a gostar espinafre. Então ninguém deve ser obrigado a conviver com o que não gosta, não é?

    A solução, talvez, seria fazer grandes campos de concentração, deixando todos os ditos normais (sem deficiência) livres da convivência com as pessoas com autismo ou com outras deficiências (anormais). Livres do fardo e do perigo! As pessoas com deficiência também estariam bem mais protegidas e aceitas lá, sem nenhum tipo de aflição, pois nada desafiaria seus limites, não é dona Lya? - Ela não gosta dos termos "normais" e "anormais", mas como escritora não se esforçou para usar outros. Propositadamente incompetente?

    Bem, essa é lógica que pune a vítima. É a idéia posta que estamos aqui para enfrentar. A concepção de que os autistas e pessoas com outras deficiências não merecem viver em sociedade.

    Infelizmente Lya, Betty e Faustão só fizeram manifestar a expressão de um modelo social construído e impregnado no senso comum. O reflexo do que a sociedade, de uma forma geral, pensa sobre sobre o que é deficiência e o que é ser pessoa com deficiência. A idéia geral de que pessoa com deficiência, incluindo pessoas com autismo, são menos gente, tem menos direitos e que a segregação é medida de proteção, melhor para todos (ditos e não ditos normais).

    Infelizmente muitos pais e autistas partilham desse sentimento comum e demoram para se reafirmar como sujeitos de direitos humanos. De todos os direitos humanos. Direitos esses, reafirmados constitucionamente na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

    Ainda bem que cada vez mais se fortalece a noção de que são as barreiras sociais - inclusive as barreiras atitudinais como o preconceito, a discriminação, a falta de apoio - os elementos que impedem a maior participação na sociedade das pessoas com deficiência, incluindo as pessoas com autismo e as pessoas com deficiência psicossocial.

    Nesse sentido, as manifestações da mídia têm uma característica muito peculiar, pois elas influenciam e ao mesmo tempo são o reflexo das atitudes da sociedade. São formadores de opinião pública e também uma espécie de termômetro do senso comum.

    Essas última matéria da Veja, assim como a desastrosa participação de Betty Monteiro no Faustão, deve servir alerta para nós familiares e autistas, para sabermos bem de que lado devemos estar e que posição devemos tomar. Nossa missão deve ser conquistar espaços para participação e para contínua mudança das atitudes sociais, refletidas nesse tipo manifestação nazi-fascistas que justifica o preconceito e a apartação.

    Lya Luft e Betty Monteiro, por exemplo, dão argumentos para quem queria o artigo 7º do PLS168/2011 como estava, permitindo a impune exclusão de pessoas com autismo da escola regular, como medida de proteção. Ainda bem que nossa presidenta foi sábia e vetou, a despeito do PLS ter passado por unanimidade no Congresso. O que foi demonstração de compromisso com os direitos humanos das pessoas com deficiência, que foram celebrados na nossa Convenção.

    Então, que esse tipo de manifestação preconceituosa nos sirva de lição. E que fortaleça nossa união na luta contra a apartação social das pessoas com autismo e com outras deficiências.

    Alexandre Mapurunga

    Presidente da Abraça

    Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo

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