5 de jan. de 2010

O bugueiro e a militante: que força a grana tem

Hoje me lembrei de uma figura que conheci em Jericoacoara, numa viagem com minha mulher. Era um bugueiro e guia que levava constantemente turistas do mundo todo pra passear nos recantos daquele pedaço de paraíso. Conversador que só ele, me lembro que ele disse algo mais ou menos assim: “tudo de ruim pra pobre vem em dobro e já pro rico vem só pela metade”, até deu vários exemplos: “se o pobre ficar doente, ele tá com pé na cova, já se o rico fica doente, ele tá só meio doente. Tem dinheiro pra remédios, tratamentos no exterior, por ai vai...” e brincava “se o pobre é feio, é ‘fei’ que dói, num pega nem gripe. Já o rico feio, com roupa de marca, no carrão importado, até que é ‘simpático’ e só anda rodeado de gata”. Isso nas palavras e na visão do tal bugueiro.
Uma amiga minha chamada Alaíde Aquino, militante do Movimento de Pessoas com Deficiência (MPcD –Ce), costuma dizer que a diferença fundamental que gera discriminação entre as pessoas é o fato de ser rico ou pobre.  Ou seja, não importa muito ser negro, branca, mulher, homem, alta, baixo, gay, hetero, com ou sem deficiência. Desde que se tenha dinheiro você acaba, bem ou mal, sendo aceito e as barreiras impostas são mais facilmente vencidas.
Apesar de argumentações e experiências de vida completamente distintas, o bugueiro de Jerí e Alaíde coadunam do mesmo pensamento de que a questão financeira é determinante quando se trata de garantia de direitos e aceitação social. O que fazem os dois na prática a partir dessa idéia também difere bastante.
Alaíde luta por acessibilidade, por habilitação e reabilitação, por concessão de órteses, próteses e insumos de forma ágil para pessoas com deficiência, especialmente as mais pobres. Já o bugueiro de Jerí trabalha, trabalha, trabalha e nutre certeza de que algo vai acontecer para que ele próprio deixe de sofrer as mazelas da vida em dobro, como é da sina de qualquer pessoa pobre.
É claro que, de certa medida, o preconceito e a falta de serviços acessíveis às pessoas com deficiência como escolas, hospitais, cinemas, museus, padarias, praças e transportes públicos afetam todos, independentemente da grana que se tem, mas são especialmente cruéis com os mais pobres.
É fácil ver isso quando se vai, por exemplo, na Reatech – famosa feira habilitação e reabilitação – onde se pode encontrar carros de luxos com adaptações mirabolantes e cadeiras de rodas capazes de subir batentes e até escadas, maravilhas de primeiro mundo por preços absolutamente inacessíveis para a grande maioria das pessoas com deficiência.
É claro que quem tem condições dá seu jeito, compra cadeira, contrata ajudante, acompanhante, terapeuta, fisioterapeuta, carro adaptado e, mesmo ainda que pagando caro, acaba minimizando os efeitos da exclusão.
Quem não tem condições financeiras acaba a mercê das precárias políticas públicas, que nem de longe garantem os direitos e dignidade tão duramente conquistados em Lei pelos movimentos de pessoas com deficiência.
Outro aspecto interessante é de como podemos ao mesmo tempo ser oprimidos e opressores, discriminar e ser discriminado, sem nos dar conta de que quando atacamos uma condição pessoal de alguém, fragilizamos a nossa própria, contribuindo pra uma sociedade onde o que vale é a lei do mais forte, ou a de quem tem mais.
Nesse sentido não é difícil encontrar uma pessoa com deficiência contando piada de gays, um trabalhador explorado pelo patrão que espanca a mulher, o rico homossexual que tem horror a pobre, por aí vai.
A última foi a do apresentador de salário milionário Boris Casoy. Pessoa com deficiência, Boris já enfrentou o preconceito e batalhou muito para ser uma das vozes de maior credibilidade no jornalismo brasileiro. Sem saber que estava no ar ele desdenha, “faz hora” como se diz no Ceará, da condição de alguns garis que desejaram feliz ano novo aos telespectadores.


Como diria o próprio Casoy: Isto é uma vergonha!

Casos como o do Casoy e também outros, como aquele do rico médico acusado de estupro que conseguiu liminar do Supremo pra passar o Natal confortavelmente em casa ou aquele outro do Banqueiro mafioso que quando a Polícia Federal vai atrás a terra treme, mas nada acontece, são exemplos que devem contribuir para que o Bugueiro de Jerí e Alaíde tenham tanta certeza da força que dinheiro tem.
Eu não posso deixar de registrar minha admiração e respeito por posturas como a de Alaíde que, percebendo a força da grana para incluir e excluir pessoas, trabalha duramente para que todos sejam respeitados pelo que são: gente.

Alexandre Mapurunga

Membro do MPcD/CE - Movimento de Pessoas com Deficiência do Ceará
Presidente do Cedef - Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Conselheiro Titular do Conade - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Diretor de Assuntos Jurídicos da Abraça - Associação Brasileira de Ação por Direitos da pessoa Autista

4 comentários:

  1. APLAUSOS....


    Maria Linda Lemos Bezerra

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  2. como eu faço para fazer parte do abraça?
    nereida e rolf7 autista

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  3. Oi Nereida,
    Basta estar de acordo com os princípios constantes no Estatuto e preencher uma ficha de associado.
    Posso te mandar um email com o Estatuto e a ficha e você nos manda pelo correio assinado.
    Abs,
    Alexandre

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