31 de dez. de 2009

Serão realmente especiais as necessidades educativas dos alunos e alunas? A intencionalidade do discurso


Autor: Jesús Molina Saorin
Actualmente, falar de diversidade parece ser, para alguns educadores, uma questão conflitual sobretudo se retrocedermos ao pensamento de uma época em que o discurso era o seguinte: “... este aluno não me deixa dar a aula...”; não se descuidem porque, no dia vinte e quatro, vão ter um exame e têm que estudar muita matéria..”; “... para amanhã têm que saber o tema quatro do livro... “; “... Eh!, por favor, trabalhem em silêncio...”; “... este aluno vai reprovar de novo, porque, com oito anos, ainda não aprendeu a somar”; “... vamos!, todos a correr!, têm que dar cinco voltas à pista...”. Conflitual, porque nos faz pensar que houve uma época em que se classificavam os alunos através da sua distribuição por salas de aula, em que os bons eram separados dos chamados maus que, por sua vez, eram colocados numa sala diferente e, no pior dos casos, iam para uma sala ou centro de educação especial. Lembramo-nos que, no passado, os alunos eram examinados através de provas, de acordo com Aussubel, provocavam medo, insegurança e stress infantil (legado, afinal, da sociedade neo-modernista), e, por sua vez, modificavam as expectativas em relação ao rendimento dos alunos que se viam obrigados a recorrer a estratégias de cópia perante uma pseudo-realidade que não eram capazes de compreender. Difícil, ainda mais, porque se transferiu para a escola, sem quaisquer alterações, a estrutura de aprendizagem e formação mais ajustadas aos adultos: salas de aula fechadas, mesas individuais e orientadas para o professor, espaços divididos segundo o género; uma estrutura comunicativa unidirecional que obriga o aluno a seguir a aula (que é única e para todos), juntamente com uma metodologia de trabalho que reforça, no corpo discente, o hábito de trabalhar em silêncio, de forma individual e sem debater o sentido do que está a ser trabalhado. Difícil, também, porque se espera que todos os alunos atinjam, na mesma idade, o mesmo nível de aprendizagem, sem dar atenção ao que temos vindo a chamar arquitectura cognitiva. Conhecer o processo de configuração da arquitectura cognitiva é o primeiro passo para atingir o sucesso no desenho de uma proposta pedagógica que, nutrida por uma didática específica, permita dar respostas às necessidades do corpo discente, desenvolvendo ao máximo as capacidades de qualquer aluno, dentro desse processo sócio-educativo de formação dos jovens cidadãos e cidadãs.
Talvez haja professores para quem, infelizmente, estes exemplos que destacamos lhes sejam familiares por existirem na sua escola ou por fazerem ainda parte da sua experiência. Por isso mesmo, talvez tenha chegado o momento de reflectirmos sobre as nossas práticas, sobre a suposta evolução do sistema educativo e, ainda, sobre as mudanças sociais que, no último século, se verificaram quer ao nível das tecnologias, dos contextos e dos recursos, quer, ainda, ao nível da informação e dos meios de comunicação. Importa saber, por isso, se existe alguma relação entre estas mudanças e o que foi a imutabilidade do sistema educativo nos últimos cem anos. É a partir deste ponto de vista que tentaremos concentrar-nos na nossa experiência ao longo de vários anos, sobretudo no contacto com uma multiplicidade de escolas.
Através deste trabalho de investigação, oferecemos alguns contributos teóricos e práticos sobre a nossa consideração a respeito das necessidades educativas mal denominadas “especiais”, realizando uma contextualização sobre a situação educativa actual, centrando o atendimento na realidade educativa e oferecendo uma descrição dos diferentes aspectos que intervêm na denominada escola compreensiva.

Revista Lusófona de Educação, Número 13. Lisboa, 2009, pp. 155-170.

Mais em:
Site de Jésus Molina: http://www.um.es/jesusmolina/
Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación: http://www.oei.es/noticias/spip.php?article6193

Um comentário:

  1. Educação Especial e Sistema Jurídico Brasileiro
    Uma análise da legislação brasileira para a Educação Inclusiva
    Autor: Rosana Cristine de Limas Felipe
    Descrição :
    A educação especial no Brasil ainda engatinha, apesar dos esforços de muitos profissionais. Após o esforço conjunto de várias pessoas ao redor do planeta ainda é possível perceber a discriminação e a falta de iniciativa do poder público para promover não somente a educação inclusiva mas para coibir todas as formas de discriminação existentes. Há ainda um longo caminho a percorrer. A proposta dessa obra é facilitar aos profissionais envolvidos com o tema a compreensão do sistema jurídico brasileiro voltado para a temática.
    www.clubedosautores.com.br

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...